Este Blog tem como objectivo apresentar e divulgar novos autores e os seus micro-contos.
quinta-feira, 26 de julho de 2012
Dia do avô
Ainda sinto a tua mão no meu ombro. Ainda vejo o teu sorriso franco. Sei que partiste há muito. Mas ainda estás aqui ao meu lado. Lembro-me das ultimas palavras que trocamos, e sorrio. Sei que estás bem, partiste em paz. Adoro-te avô.
sábado, 16 de junho de 2012
Pedra
A vida era algo que ela não conhecia, parada naquele lugar desde sempre, era uma pedra, apenas movida pela água que há milénios não corria naquele leito seco de rio. Esquecida na ilusão do momento era uma pedra solitária. Ninguém a visitava nem mesmo a águia que pairava por cima do deserto. Era triste e solitária, aquela negra pedra que um dia pertecera a uma rocha, que um dia fora parte de algo maior, parte de um todo. esquecida naquele momento, sozinha para toda eternidade, ela sonhava com a calmaria dos dias e com as visitas que nunca vinhamm, e a vida nada mais era do que uma ilusão de dias que se seguiam às noites. Era ela e apenas ela que ficava naquele deserto sem movimento, parada a ver o céu, a olhar para o infinito sem nunca imaginar o que viria daquele lugar ao longe, fora do alcance dos olhos.
terça-feira, 12 de junho de 2012
Diz-me
Escrevi um rascunho num papel quando jovem. Encontrei-o agora, perdido entre outras páginas. Assustei-me. Não era um rascunho, era uma previsão. Procuro loucamente outros papeis perdidos. Talvez haja esperança. Talvez compreenda finalmente por que estou aqui...
sexta-feira, 8 de junho de 2012
Ser Feliz
Eu sei que nunca mais voltarei a ser feliz. É algo que me é negado, desde que aceitei vir para tão longe de mim. Para o meio de pessoas que me odeiam. O tempo feliz acabou e eu estou tão longe de mim. Afastei-me de onde pertenço e aqui estou perdi na maré, sem encontrar o meu caminho de volta. Esrou perdida na imensidão do mar que me afunda.
terça-feira, 1 de maio de 2012
O Anel
Porque terei comprado aquele anel? Nunca apreciei objectos antigos, mas numa visita a uma feira com umas amigas encantei-me naquela peça.
Desde aí, sempre que o usava acontecia qualquer coisa desagradável. De início não relacionei as situações, mas depois começou a ser demasiado evidente.
Começou por não ter muita importância: perder um brinco, partir um salto, dar um encontrão num colega. Depois as situações começaram-se a agravar. Perdi a correspondência do escritório. Extraviei o cartão de crédito. Parti um pé. O meu namorado traiu-me.
A determinada altura não precisava já de usar o anel para algo acontecesse, e, infelizmente, se tornasse permanente. Fiquei desempregada e doente.
Antes que alguém morresse empreendi uma viagem de 500km para o atirar num rio, à falta de vulcão, apesar do receio de um acidente durante a viagem.
Furou-se apenas um pneu do autocarro. E no regresso comecei a sentir-me melhor.
segunda-feira, 30 de abril de 2012
A Festa
A festa tinha tudo para ser perfeita. Era verão, fazia uma noite agradável, sem brisa, as estrelas cintilavam, podia-se beber bem, e havia muitas mulheres belas, com vestidos sugestivos, a conversar despreocupadas com os homens.
Estava de férias, e uns amigos que via apenas no verão convidaram-me. Não era a primeira da vida. Mas, talvez por estar muito bem disposto, aquela parecia-me perfeita.
Foram tantas as cervejas, que, a determinada altura tive de ir descarregar águas junto ao mar. Afastei-me da festa, e o seu barulho desaparecia aos poucos conforme me aproximava do mar, o suficiente para não molhar os pés. Respirei fundo o ar agradável da noite e voltei.
Ao regressar notei a festa estranha, diferente. Fiquei desiludido, julgando que a festa iniciara o seu término na minha ausência.
Vi então que em vez dos balcões de bebidas estavam churrascos. Em vez de pessoas em roupa de festa, estavam de calções e chinelos. Como era possível? Não conheci nenhuma das caras, e aflito, comecei a procurar os meus amigos.
Os convivas repararam em mim. Viram-me a andar atarantado. Complacentes, pegaram-me nos ombros e sentaram-me em frente a um prato de febras grelhadas. Falaram comigo, mas não entendi nada. Não falavam a mesma língua que eu.
sábado, 21 de abril de 2012
Livro
Um livro encontrava-se sentado numa prateleira com as pernas bamboleantes, esperando que alguém lhe pegasse. Sentia-se só e triste. Era o único do seu tipo, isolado no meio de outros livros que nao lhe eram semelhantes. Colocado na prateleira errada, nunca seria escolhido nem nunca veria o mundo.
sexta-feira, 13 de abril de 2012
Sexta Feira 13
Ele acordou com a sensação de que algo estava errado. Levantou-se, ignorando o que sentia. Foi para a casa de banho fazer a barba. A sua face estava pálida. Os olhos tinham dois círculos negros demarcados pelo cansaço. não tinha vontade nenhuma de ir trabalhar. Pensou que talvez um duche frio o acordasse e lhe desse uma nova genica. A água quente relaxou os seus músculos. Quando saiu do duche, olhou para o espelho, estava seco como se não tivesse tomado banho. Não compreendia o que acontecera. Correu para o quarto. Na cama de onde se levantara, via-se a si próprio deitado, de olhos fechados, como se dormisse. Afinal morrera durante a noite, apenas um pensamento lhe ocorreu. "Feliz sexta-feira 13!"
quinta-feira, 5 de abril de 2012
A Carta Anónima no Cacifo
Ser um miúdo giro tinha as suas consequências na escola: não conseguir passar desapercebido entre as raparigas, que o abordavam constantemente através das mais variadas estratégias. Telefonavam-lhe, chamavam por ele nos corredores da escola, na rua, batiam à porta da sua casa, tentavam adicioná-lo às redes sociais, pagavam-lhe lanches e viagens nos carrinhos de choque. Não que o aborrecesse de todo ser popular: mas às vezes a situação tornava-se constrangedora, perto da sua família ou perto de alguma rapariga que realmente lhe despertasse a atenção.
Interessava-se por miúdas giras (era claro!), mas não bastava. Tinham de ter boas notas, ser discretas e possuir um pouquinho de pimenta: isto é, tinham de ter qualquer coisa de especial. Uma vez esteve apaixonado por uma rapariga que tocava bateria. Outra vez esteve apaixonado por uma que mantinha um blog. Normalmente essas miúdas tinham tendência para se afastar da sua popularidade, pois achavam-na sinónimo de tolice.
Foi por isso que, ao encontrar uma carta anónima no seu cacifo, a sua imaginação e vontade de investigação se ativaram: não seria uma tola qualquer para fazê-lo (até porque a carta estava bem escrita, com figuras de estilo e tudo), e muito menos uma miúda daquelas que gostam de dar nas vistas; a carta anónima era, precisamente, a prova da sua discrição.
quarta-feira, 4 de abril de 2012
Um Final
O copo caiu, o líquido âmbar espalhou-se como a maré
ensopando o tapete felpudo…
A mesa de onde o copo caíra estremeceu e balançou, como num
estranho bailado, ao som da música que saia de forma contínua do rádio do outro
lado da sala…a voz quente enchia a sala gravemente…
Nas janelas as cortinas sonhavam libertar-se e vogar soltas
ao sabor do som que as inspirava e do vento que as enfunava…
No sofá, sentada entre as almofadas, qual buquê florido estavas
tu, os teus lábios vermelhos com um esgar trocista, o teu nariz levemente
arrebitado com quem enfrenta um desafio, o vestido de seda suavemente
amarrotado, sugerindo algo mais que um breve abraço amoroso, o teu cabelo angelicamente
penteado em grandes caracóis, as tuas mãos crispadas de fúria e nos olhos uma
réstia efémera da ingenuidade que eu um dia tanto amei…
Levantei-me e sai, lá fora a noite fragante envolveu-me,
recordei o teu cheiro, o teu sabor… acompanhando as memórias não o sentimento
de outrora mas algo diferente…quiçá uma saudade mas já não uma paixão…
A rua levou-me ao bar do costume, à bebida do costume e as
pessoas do costume, e nada era do costume, as músicas não soavam como quando te
tinha a meu lado, o whisky, embora da mesma marca, era estranho ao paladar e a
meus olhos as cores do bar haviam mudado.
Tudo era novo, diferente, empolgante, talvez…
No espelho por trás do bar encarei-me, sorri e brindei a mim
próprio…
sábado, 31 de março de 2012
Notícia
A noite cai e com
ela um anúncio de morte chegou. Sentimo-la chegar, passar por entre nós
silenciosamente. Chega lentamente sem o menor ruído e parte levando consigo
alguém que se encontrava ao nosso lado.
O telefone tocou
pouco depois das 20 horas e um anúncio de morte veio, morreu alguém próximo. O
telefone caiu no chão e lentamente ela agachou-se a chorar. Chorava pelo que
sofrera aquela pessoa, chorava pelo que viveu com ela e que nunca mais iria
viver, chorava pela falta que iria sentir dele. Chorava por nunca mais sentir o
seu abraço. Chorava por tudo e chorava pelo nada.
Ali ficou durante
algum tempo agachada chorando, no telefone a pessoa que estava do outro lado
gritava o seu nome, implorando que voltasse a atender, mas ela não ouvia. Ela
partira para outro lugar no interior da sua mente, para um lugar onde só
habitam as memórias.
A voz do outro
lado parou só se ouvia o som intermitente do telefone e ela não se movia, as
lágrimas pararam por não ter mais água nos seus olhos, mas ela permanecia imóvel,
sem se levantar, sem demonstrar qualquer intenção de levantar o telefone e
recolocá-lo no descanso. Ela não demonstrava qualquer reacção ao mundo
exterior, parecia ter ficado presa no interior de si, perdida na imensidão do
tempo, parada naquele momento que o telefone tocou.
Batem à porta
violentamente, ela não reage, nem move os seus olhos para longe daquele ponto
fixo na parede. Batem com mais intensidade e ela nada, sem se mover. Batem
durante muito tempo até que se ouvem encontrões contra a porta para arrombarem
e entrarem. Finalmente as dobradiças cedem e conseguem entrar. Uma figura de um
homem corpulento surge por detrás da porta arrombada e é seguido por uma mulher
que entram na casa à procura dela. Vão verificando todas as divisões até a
encontrarem agachada contra a parede, com o telefone em frente dela, no quarto…
terça-feira, 27 de março de 2012
Abismo
Aqui
estou eu, parada em frente ao abismo que se abre aos meus pés. Atiro-me? Penso
no que vivi. Nada mais me importa se não te tiver a ti. Estou só, perdida, sem
a tua luz para me guiar. Ninguém me telefona, ninguém pergunta por mim, nem tu.
Esqueceste-te
de mim tão facilmente como se não passasse de um fantasma do teu passado sem
importância, sem qualquer interesse.
Partiste
e deixaste-me só, sem saber porquê, nem para onde ir.
Passei
a ser invisível passando nas ruas sem ninguém me ver. Então porque não saltar
terminar com tudo se não tenho razão para viver. Quando esta eras tu? Atiro-me,
salto. Voo para o infinito. A queda é silenciosa, calma e sem atrito.
Vejo
o fundo do abismo, arrependo-me tento voltar para trás mas é tarde demais.
Veredicto(s)
Na mente de Sara as ideias
atropelavam-se, numa sucessão confusa de pensamentos optimistas e pessimistas!
Ante de sair de casa, naquela manhã, decidira cuidar-se como se tivesse
um encontro especial, e a amarga ironia que muitas vezes empregava nos
julgamentos, ao alegar em desfavor dos que acusava em tribunal, não deixava de
lhe acorrer sob a forma de uma de duas hipóteses possíveis " vestida para matar" ou seria antes "vestida para morrer"
Era quase impossível não fazer um
balanço da sua vida, levara um livro, ainda gostaria de saber que espécie
de ingenuidade a levara a pensar que um
livro a poderia distrair durante a espera para ser atendida, já que,
independentemente do tempo a aguardar, este seria sempre dilatado.
Que construíra Sara?
Tinha sido a filha perfeita,
havia seguido criteriosamente os planos que o pai lhe traçara, de continuar a
carreira jurídica- tradição familiar a passar de geração em geração – sim,
seguira Direito, e a sua extrema dedicação levara-a facilmente ao exercício
daquela que, ainda na faculdade, era a sua profissão de sonho – Magistrada do
Ministério Público, chegava mesmo a dizer, em tom de brincadeira e em convívio
com família e colegas que uma pessoa como ela, tão meticulosa, queria-se do
lado da lei, antes que fosse cair nas teias do crime.
O amor, esse tinha-o encontrado
durante o estágio, na pessoa de Emílio, um colega que acabou por desistir da
Magistratura e ingressar no terreno pantanoso que era a advocacia. Sim , pelo
menos tinha encontrado o amor.
O que lhe faltava cumprir? Que desígnio
poderia ficar impossibilitada de realizar?
Um filho, tomada de uma imensa
perturbação ansiosa, Sara não conseguiu evitar as lágrimas enquanto recordava
que, um ano antes, Emílio aventara a ideia de terem um filho, tinham ambos 32
anos, e já ia sendo tempo de continuar as famílias, dissera ele. Movida por um egoísmo
e ambição que sempre colocara a levaram a colocar a carreira em primeiro lugar,
e com receio de se ver privada da possibilidade de acompanhar um mega
julgamento de tráfico de droga, Sara adiou, mais uma vez e sine die, a data da
sua maternidade, teria assim feito cair por terra o sonho de Emílio ?
Também não pode deixar de
lamentar todos os fins de semana em que, refugiando-se no sótão, e tendo os
processos por companhia, ficava a trabalhar horas sem fim, negligenciando
Emílio que ainda assim vinha relembrar-lhe os horários das refeições e
trazer-lhe uns miminhos para se alimentar.
Finalmente, chamaram o seu nome, trôpega
pelo medo e pela emoção, Sara deixou que as pernas a levassem até ao gabinete
do médico, e nem toda a maquilhagem conseguia ocultar a sua extrema palidez,
era ela quem estava prestes a receber o veredicto…
O médico, gentilmente, pediu a
Sara que se sentasse, tendo-a acompanhado até à cadeira, e sem mais delongas,
vendo-a pálida , transmitiu-lhe o resultado da biópsia, afinal, não era nada
que a preocupasse, era uma massa perfeitamente benigna que apenas teria de ser
removida numa cirurgia simples.
De alegria, Sara chorou e abraçou
o médico.
Não dissera nada a ninguém para
não ficarem em cuidados, mas nessa noite tinha algo muito especial para fazer,
ia preparar um jantar para toda a família e dar-lhes-ia as boas notícias. A
sós, iria convidar o marido para no dia a seguir, partirem durante o fim de
semana, à descoberta de um qualquer refúgio romântico.
Sara apressou-se, era urgente
viver e tinha muitos sonhos para realizar!
domingo, 25 de março de 2012
Passos
Ouço
passos na escada, o meu coração salta sobressaltado. Será ele? Encolho-me sobre
mim mesma com o temor de o ser. Fico expectante a olhar para porta e ouvir a
sua chave na fechadura. Passam à minha porta e continuam. Suspiro.
Vou
até à casa de banho limpar o meu rosto. O espelho devolve-me a imagem de um
rosto maltratado, cheio de manchas negras. Não saio de casa, tanto por medo
dele como por vergonha, não queria que me vissem assim. Derrotada. Lembro-me de
quando era mais nova, da força de viver que tinha, sinto saudades desse tempo
em que vivia sem medo, sem sobressaltos. Mas agora tudo acabou, e sei que o meu
dia-a-dia é este.
Tudo
tem que estar impecável, tudo limpo e quando chegar quer a comida na mesa, come
enquanto olho em pé ao seu lado, depois corre a casa à procura de um erro que
tenha feito. Depois sei, que vem a fúria, por estar tudo bem ou por ter algo
mal. É a mesma coisa sempre, um dia de terror, depois vêm as desculpas os
pedidos de perdão. Mas o medo fica sempre permanente em mim.
Ouço
a maldita chave que me sentencia a mais uma noite negra e prometo a mim mesma
que não vou chorar, é desta vez que não o vou.
sexta-feira, 23 de março de 2012
Recomeçar
A rua estava aparentemente
deserta, Clara percorria o empedrado ingreme da calçada, e era a verdadeira
personificação da derrota... nunca antes um fracasso a havia perturbado
tanto...a carta fora-lhe entregue em mão naquela mesma tarde, poucas horas antes
alguém se incumbira de destruir os seus sonhos de futuro, a sua esperança!
Braços descaídos, lágrimas a
correr lentamente pelo belo rosto com uma expressão pesada, com todo o peso da
necessidade de recomeçar, a partir do zero.
A verdade é que, feliz ou infelizmente,
o dia ainda não terminara, ainda faltavam algumas horas para que clara
encontrasse o sossego possível nos braços da noite, nem que para conseguir
descansar tivesse de recorrer ao último recurso que passava por um
antidepressivo eficaz, era uma paz a prazo, mas pelo menos teria a duração das
necessárias oito horas de sono.
Perto de casa, no recanto, ele
olhava para ela, bela, perigosamente bela, o olhar predatório que ele fazia
incidir sobre Clara era evidente a qualquer observador tivesse a oportunidade
de contemplar a cena.
Todavia, eram muitos anos de
enamoramento, que nem a força das circunstâncias alterara, mas ele sabia que
não iria saber resistir ao cheiro doce do sangue que corria pelas veias de
Clara...e não resistindo, ainda assim, das duas uma, ou nada estava perdido, ou
perder-se-iam ambos.
No exacto momento em que Clara
procurava a chave de casa na sua mala, a auto-censura de Gonçalo
despareceu e ele saltou sobre a sua
amada, imobilizou-a enquanto esta gritava de pânico, e de forma violenta, mas
ainda assim com a doçura dos sentimentos nobres que por ela nutria, fez o que o
movera até ali, aquele beco recôndito, cravou os caninos no pescoço da rapariga
que, perdendo as forças, desmaiou...
Ternamente, o Vampiro segurou a
rapariga e limpou os dois fios de sangue que ainda escorriam do seu pescoço.
Era o recomeço que Clara sentira
necessário, da estaca zero, mas certamente não como ela esperara...
(By Isabel Alexandra Almeida - Os Livros Nossos)
Carga Policial
Sinto algo a me atingir o braço, uma dor aguda e alucinante percorre-me, olho para este e vejo que sangro, atingiram-me com um pires ou uma chávena. Respiro fundo, acalmo-me. Não posso reagir, nem intervir, chamam-me: "Filho da puta, anda se tens coragem", respiro fundo novamente, agarro o meu cacetete com força, o punho marca-se na minha mão. Outro projéctil atinge o meu colega no nariz, este fica a sangrar e nós não nos movemos, mais insultos, mais coisas que nos atingem, nas pernas, nos braços, na cara, no capacete. Chamam-nos porcos e partem as cadeiras de um café, o dono grita: "não fazem nada?" E finalmente chega a ordem, "avancem", empunho com força o meu cacetete, baixo a viseira e avanço, consciente que posso matar alguém, essa noite sei que não vou dormir, os gritos de quem foge de mim, inocentemente, me vão perseguir até casa, onde o meu filho e a minha mulher me aguardam. Cumpro o meu dever, nem que isso me mate.
Amuleto
Quando se sentia nervosa mandava a mão à chavinha de prata que trazia pendurada no pescoço, num fino e comprido fio. Fazia questão da chavinha ficar sempre escondida debaixo da roupa. Oh! Ela tinha vergonha daquela chavinha. Primeiro porque a achava com uma total ausência de classe e a tender para o brejeiro. Em segundo, porque tinha vergonha daquela superstição da chavinha lhe dar sorte.
Sempre que havia um momento especial lá punha a chavinha: um encontro com um rapaz; o exame de condução; uma entrevista de emprego, como era o caso.
A chavinha tinha sido da sua mãe e ficara com ela quando morrera. Isso ainda lhe dava mais ganas na chave. Era uma recordação do mais banal que podia existir. Pior, tinha sido o seu pai quem lha tinha oferecido quando tinham começado a namorar, o que tornava a dita chave ainda mais vulgar.
Quando regressou a casa guardou a chavinha de prata numa pequena caixa preta que tinha para esse efeito. Ficaria lá até ser necessária outra vez. Talvez para o primeiro dia de trabalho. Não sabia… A verdade é que não tinha prova nenhuma de que a chave lhe desse sorte. Contudo, a superstição é que a levava a usá-la. Mesmo tendo a certeza do seu efeito nulo. Ou negativo, se tivesse o azar de alguém ver aquela chavinha no seu pescoço.
quinta-feira, 22 de março de 2012
Adolescências...
Olá Katy,
Como tás? não tens aparecido nas
aulas esta semana, como não me respondeste às SMS, acho que ficaste sem
mensagens, ou então, a tua mãe está
zangada contigo outra vez, por isso, decidi escrever-te este mail para te
contar as últimas news do nosso people lá da turma.
A professora de ciências diz que
não vai entregar os testes e trabalhos se a turma continuar a ter o mesmo
comportamento vergonhoso dos ultimos tempos.
De nada serviu o marrão do nosso
delegado Fábio ter usado toda a sua graxa sobre a Professora, foi bué de fixe
ver o vaidoso do Fábio, sempre convencido como o raio, a tentar convencer a
profe, e ela a ficar na dela lolol, tu ias amar ter visto a humilhação dele!
Agora, as bad bad news, o Sérgio curtiu com a Roberta...
Provavelmente ele vai contar-te
quando falarem, pois quase toda a escola assistiu ao momento hot dos dois.
Amiga, tens de pensar bem na tua
vida e se ele vale mesmo a pena todos os teus mimos e esforços, tu até lhe
deste as respostas todas do teste de história, depois ele veio com a cena do
"somos quase namorados" mas tu viras costas e puff, Roberta no
caminho.
Como tua melhor amiga, acho que
devo avisar-te e dar-te a minha opinião sincera, o Sérgio não gosta de ti, ele
vai dando esperanças de namorarem só para
tu te ires descosendo com apontamentos e testes e o raio que o parta!
Saritha
(By - Isabel Alexandra Almeida)
quarta-feira, 21 de março de 2012
burocracia
Manuel era um homem comum sem grandes sonhos nem esperanças,
limitava-se a viver a sua vida de forma simples. Nunca sonhara com carros nem
viagens, mas um dia decidiu que tinha de perder o medo que sentia de voar e
comprou um bilhete de avião para um sítio qualquer com um nome exótico que não
conseguia pronunciar.
No
primeiro dia das suas férias, estava no aeroporto, sentado numa cadeira com as
unhas cravadas no seu casaco, tentando controlar o seu receio. Ao seu lado
sentou-se um homem com ar derrotado, o Manuel decidiu conversar com ele para se
distrair da viagem que o esperava. Chamava-se Pedro e era um imigrante que
tentava voltar para casa e ver os seus filhos, mas o voo já estava cheio e
teria de esperar pelo dia seguinte. Este pronunciou o nome da cidade com toda a
perfeição, era a mesma para onde o Manuel seguia.
Chamem-lhe
sorte ou destino, Manuel chamou-lhe Deus, ele deu o bilhete dele ao pobre homem
e voltou para sua casa. No dia seguinte veio a polícia dar à sua mãe os pêsames
pela morte do seu filho num acidente de avião. Esta confusa chamou o seu filho,
e este tem passado os últimos cinco anos a correr de cidade em cidade, de
ministério em ministério, a tentar provar que ainda está vivo.
quarta-feira, 14 de março de 2012
Mão Direita
Era uma vez uma mão direita. Ela era muito convencida, achava que era a mão mais bonita do mundo. Em cada dedo usava um chapéu diferente porque não podia repetir nenhum todos a achavam normal afinal ela tinha uma irmã, a mão esquerda, que era quase igual a si. Mas a mão direita não ligava ao que diziam sempre achando que era a melhor de todas. um certo dia chegou uma outra mão direita, ainda mais bonita que a nossa protagonista, sempre na moda também usava um lenço em torno do pulso todas as outras mãos começaram a cochichar que esta sim era uma mão com estilo. A nossa pequena mão sentiu-se triste com o terem deixado de lhe darem atenção e percebeu que não era melhor que as outras, a sua irmã disse-lhe que ia sempre gostar dela independentemente do que os outros dissessem e assim as duas mãos viveram felizes para sempre uma com a outra.
terça-feira, 13 de março de 2012
Pinceladas
Ajoelhada em frente à tua campa as lágrimas correm-me livres
pela minha face. Sei que já não te verei novamente e nunca mais olharei nos
teus profundos olhos azuis.
Passaste anos a sofrer com a tua doença, Parkinson, vi-te
decair com o passar dos anos. Ao início tentaste controlar os tremores
pintando, existem alguns belos quadros por ti pintados, depois isso já não te
ajudava. Nessa altura, tinhas apenas que pegar na tua máquina fotográfica, o
teu grande e único amor, para que, mesmo nos teus últimos momentos, para
conseguires controlar os tremores e atravessar a rua da tua casa para o jardim
da praça com as muletas penduradas nos braços eco passos firmes sem a menor
indicação de tremores. Mas, isso era sol de pouca dura, rapidamente as forças
lhe faltavam e os tremores voltavam.
Ainda me lembro de ser pequena e morrer de medo do teu dedo
sem unha o qual tinhas cortado na guilhotina quando eras mais novo e ainda jogavas
futebol no Rio-Ave e tentavas fazer um nome em fotografia.
Tantas viagens, tantos prémios, terão mesmo valido a pena?
A vida não te premiou com filhos, viveste para o trabalho e
para nós, as tuas sobrinhas, mesmo que nem sempre te víssemos.
Foste feliz, tudo o que passaste fez-te o homem que relembro
aqui. Não consegui vir ao teu funeral, desculpa não fui capaz de te ver assim,
queria que a minha memória de ti fosse as que tenho de criança a correr atrás
de ti para a câmara escura, onde revelavas os rolos e contavas os seus
segredos, quero apenas recordar quando me ensinaste a pintar com os teus
pastéis uma bela rosa vermelha e o teu sorriso que iluminava os teus olhos
azuis.
Agora vou embora e deixar-te partir, vou seguir a minha vida
contigo no meu coração e na minha memória para sempre como aquele homem enorme
que brincava e ria como uma criança.
segunda-feira, 12 de março de 2012
A Filha que tomou conta da casa
- Que é feito daquela revista que trouxe da biblioteca? – perguntou ao marido numa segunda-feira de manhã.
- Deve estar na pilha de revistas e jornais.
Mas não havia nenhuma pilha de revistas e jornais em casa. Pelos vistos, a filha tinha resolvido, durante o fim-de-semana, dar uma das suas arrumações, e a pilha de livros e revistas fora para a reciclagem.
- A revista era nova! O que digo agora na biblioteca? Fizeram-me especial favor em deixar trazer a revista para casa.
Não havia resposta para isso, portanto o marido não a deu. Deixou-a atarantada na sala, mudou de divisão. Talvez tenha ido para a casa de banho.
Sempre se dera bem com o marido. Paixão de juventude, sempre serviram de exemplo de casal feliz, entre as outras pessoas. Mas ultimamente ele deixava-a sem resposta, principalmente em conversas em envolvessem a filha. Esta, ultimamente, adquirira a mania das arrumações e das limpezas, e dava volta à casa como se fosse dela. A mãe, que não era muito dada aos serviços domésticos, andava a sentir-se à parte das decisões familiares. Podia não ser arrumada, mas ainda era a mãe daquela casa.
- Quando é que ela sai de casa?
- Mas tu queres a tua filha fora de casa?
A resposta do marido demonstrava raiva. Não era bonito desejar que a filha saísse de casa. Enquanto lhe apetecesse estar, deveria permanecer. Assim ditam os costumes meridionais. Mas a verdade é que a rapariga tinha conseguido encaminhar bem a sua vida de adulta. Mas decidira que só sairia de casa quando encontrasse marido. Mas que ideia mais retrógrada! Assim, nunca sairia de casa! Não haveria homem que a quisesse se ela continuasse obcecada com as arrumações.
- Não te importas que ela mexa nas tuas coisas? – ainda perguntou ao marido. Este respondeu-lhe que não se importava. Mais! Até gostava. Adorou quando ela lhe selecionou a roupa interior, e lhe deitou fora aquilo que já estava muito velho. Também gostou quando ela lhe guardou em separado a roupa de verão e a de inverno, ou quando lhe ordenou as camisas, no roupeiro, por cores.
Não havia como falar com ele a este respeito. Ele estava do lado da filha. Pegou na carteira e foi à rua. Passou num quiosque, comprou um exemplar da revista que desaparecera, para assim tentar remediar o assunto com a biblioteca. No quiosque, um jornal de classificados chamou-lhe a atenção. Talvez fosse altura de procurar um espaço para si própria, uma casa onde pudesse ter a roupa desarrumada e a loiça por lavar.
domingo, 11 de março de 2012
Comboio
No comboio estava um homem que olhava para o seu telemóvel e sorria. O seu olhar revelava desejo e ânsia. Um nervoso miudinho crescia dentro de si conforme o comboio avançava sobre os carris. Na sua opinião, este movia-se devagar demais, ele queria ir até ao motorista para lhe pedir que acelerasse, não parando nas estações que o separavam do seu destino, já que tinha uma bela mulher à sua espera.
Na sua mão esquerda, brilhava uma aliança de ouro, para a qual ele olhou e desejou que a sua esposa fosse mais como a loiraça que o esperava. Na noite anterior, a meio de uma conversa ela insinuou que sabia do seu segredo, mas não adiantou mais a conversa, pelo que ele pensou que seria apenas produto da sua imaginação.
Durante a semana inteira ele ansiava por aqueles encontros secretos de sexta-feira, quando ela o esperava nua no mesmo quarto de hotel que ele usava há anos, em primeiro com prostitutas e depois com várias amantes que tivera. E apesar da sua ânsia, o comboio movia-se nos carris como sempre lentamente seguindo o seu percurso pela cidade.
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